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Vila do Raso

Burrinhas da Bahia: Série Bahia Singular e Plural

Autoria de Josias Pires

Tropas de burros e mulas tiveram papel fundamental na história do Brasil, pois durante muito tempo cruzaram os caminhos entre o litoral e o interior, servindo como os principais meios de transporte para deslocamentos de mercadorias, atividade incessante que só veio a ter fim com o advento do transporte rodoviário. Aliado a esse papel econômico, decisivo, burros e mulas alcançaram também um lugar mítico no imaginário popular. No livro “Os Africanos no Brasil”, Nina Rodrigues lembra que durante muito tempo os principais bichos dos Reisados eram a Burrinha, “que representava um Rei montado” e o Boi, “dono do curral no qual veio ao mundo o Redentor”. A primeira notícia sobre a presença da Burrinha nos folguedos populares parece ter sido publicada em 1840, segundo apurou o historiador Pereira da Costa. A notícia apareceu no jornal “O Carapuceiro” — ali a Burrinha era figura de um Reisado do Bumba-meu-boi e o autor do texto, o Padre Lopes Gama, escreveu nos seguintes termos: “um negro metido debaixo de uma baiêta é o boi; um capadócio, enfiado pelo fundo num panacu velho, chama-se o cavalo-marinho; outro, alapardado, sob lençóis, denomina-se Burrinha”. Ainda hoje funcionam em vários lugares do Brasil alguns Reisados em que aparece a Burrinha. Mas no Recôncavo há Burrinhas que fazem um show solo, alegrando e animando festas diversas, inclusive o Carnaval. A dança da Burrinha é cheia de alegria, irreverência e manhas. A indumentária costuma ser feita em cores berrantes, feita de chitões estampados. E o acompanhamento musical, no caso do Recôncavo, é sobretudo o samba de roda. Mas pode-se encontrar também, como em Jaguaripe, orquestras de sopro tocando velhas marchas carnavalescas para animar o bicho e os seus acompanhantes. A Burrinha baiana atravessou o Atlântico e virou tradição brasileira em alguns países da costa ocidental africana — Benin, Nigéria, Senegal, Costa do Marfim, Gana, Camarões e outros países. Isto se deu na primeira metade do século XIX, quando dezenas de famílias de ex-escravos decidiram voltar à Africa e constituíram comunidades sólidas, principalmente em Lagos e Porto Novo. Nestas duas cidades, os “brasileiros” formaram uma elite de mão-de-obra especializada — mestres-de-obra, marceneiros, entalhadores, costureiras, etc -, construíram sobrados em estilo colonial, introduziram festas como as do Senhor do Bonfim, o samba de roda e reisados do Bumba-meu-boi, no qual é marcante a presença da Burrinha. Tão marcante que o reisado do Bumba-meu-boi africano é conhecido como Burrinha e sai às ruas na festa do Bonfim, Natal, Ano Novo, Reis e São João.

Pesquisa, produçao, roteiro e direçao de Josias Pires