Autoria de Josias Pires
O bumba-meu-boi pode ser tomado como um símbolo do folclore brasileiro, dado a sua difusão em praticamente todos os estados do país. Câmara Cascudo acreditava que as primeiras representações deram-se a partir das últimas décadas do século XVIII. O bumba-meu-boi teria nascido no litoral, nos engenhos de açúcar e fazendas de gado; e logo irradiou-se pelo interior. Para o folclorista Edison Carneiro, os seus criadores teriam sido escravos, descendentes de índios e brancos pobres, agregados dos engenhos e fazendas. A difusão do bumba-meu-boi entre as populações pobres da Bahia está associada tanto à tradição de Natal e às festas de Reis como ao ciclo dos vaqueiros, de origem cabocla. Como se sabe, o Boi teve uma importância capital na história econômica do Brasil. Na chamada civilização do couro, o boi só divide a sua importância com a do vaqueiro, o cavaleiro da armadura de couro. A centralidade do vaqueiro e do boi no sertão colonial fez surgir uma mitologia que se espalhou nos romances de cordel, nos desafios dos repentistas, nos cantos de trabalho, enfim em várias manifestações da cultura popular. Os parentes mais próximos do bumba-meu-boi brasileiro são as tourinhas ibéricas: feitas de vime, bambu ou outra madeira leve, recobertas de pano, animadas por um homem no seu bojo, dançando e pulando para afastar o povo. Esta estrutura física da tourinha é exatamente a mesma do bumba-boi, a diferença fundamental aparece na estrutura do espetáculo. O nosso boi-bumbá costuma ser acompanhado por um séquito de brincantes que inclui pastoras, vaqueiros, caboclo e outros bichos; e se constitui num verdadeiro auto dramático, composto de danças, música, cantos e declamações. Tal como ocorre no Brasil não existe em nenhum outro lugar do mundo. Na Bahia, não há um modelo pronto e acabado de bumba-meu-boi. Cada grupo faz o seu boi como pode e todos eles têm características próprias, singulares, que se modificam continuamente ao longo dos anos — mudanças no elenco, na estrutura do espetáculo e nos materiais de que é feito o bicho. Essa dinâmica de adaptação, outra característica fundamental da cultura popular, é o que favorece a sua permanência no meio da gente do povo das cidades e zona rural. Destacam-se no bumba-meu-boi baiano a redução do conteúdo dramático em favor de uma estrutura acentuadamente coreográfica, onde a perfomance do dançarino do boi enfrentando o vaqueiro costuma ser a cena principal. As personagens do bumba-boi são humanas, animais ou fantásticas, inventadas, tomadas da mitologia indígena ou reinventadas das divindades cristãs. Personagens grotescos, de formas disparatadas e estranhas são construídas por meio de armações mais diversas, sob as quais se escondem os atores. A representação dos animais é feita com armações rodeadas de saiotes e cuja cabeça é uma máscara de papelão ou crânio de animal. No Bumba-boi de Araci, por exemplo, aparece dançando ao lado do boi uma figura que eles chamam de Jaguará. Com este mesmo nome, o francês Jean de Léry registrou em livro publicado em 1578 a presença na floresta brasileira de um bicho de pernas longas, veloz na carreira, parecido com uma onça. “Os selvagens temem-na, pois é fera que vive de prear como o leão; e quando pode agarrar algum índio, o mata, o espedaça e o devora”. Mas não é só o jaraguá que é considerada a “besta fera”. O próprio Boi está associado ao terror — é o boi da cara preta que assusta as crianças da canção de ninar. Em muitas brincadeiras do Boi do interior da Bahia, uma das sensações era botar o público pra correr e muita gente confessa que costumava se jogar debaixo das camas com medo deste bicho que ganhou a condição de um animal-mitológico no imaginário brasileiro.
Pesquisa, produçao, roteiro e direçao: Josias Pires